Hoje, dia 22 maio Serenata Monumental 2025 regressa ao Largo da Sé Velha A partir da meia-noite ouve-se a Canção de Coimbra a dar início à Queima das Fitas É o momento mais aguardado pelos estudantes de Coimbra, principalmente para os que chegam ao fim do percurso académico. A Serenata Monumental será este ano interpretada pelo Grupo de Fado Última Luz e Inquietação - Grupo de Canção de Coimbra e promete emocionar a noite que marca o início da Queima das Fitas. O regresso ao Largo da Sé Velha traz consigo novidades. O local estará vedado e, por questões de segurança, limitado a 4 mil estudantes. No entanto, haverá um ecrã gigante junto à Porta Férrea a transmitir a Serenata . A partir de sexta-feira, 23 de maio, o epicentro dos festejos será na Praça da Canção com as Noites do Parque . No próximo domingo, 25 de maio, decorre o Cortejo da Queima das Fitas de Coimbra Texto e imagens: Internet marfer/cilamatos
OS LUSÍADAS - Canto IV - "O Velho do Restelo": estrofes 94-104 e explicação dos conteúdos fundamentais
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cilamatos é o pseudónimo de Licínia Matos
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (Português e Francês) pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal
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Resumo do episódio
O Velho do Restelo é um personagem criado por Luís de Camões e simboliza os portugueses pessimistas, os conservadores, todos aqueles que não acreditavam no sucesso dos descobrimentos portugueses e, por isso, consideravam que iria ser uma perda de homens e recursos que iriam fazer muita falta, ao reino, para lutar contra os inimigos mouros, ou numa eventual invasão dos castelhanos.
O Velho do Restelo surge no momento em que a armada portuguesa, que ia para a Índia, está para sair de Portugal. Os navegadores despedem-se dos familiares quando, do meio da multidão, surge a voz de um velho (estrofes 94-104).
94
"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
Explicação
Mas um velho de presença respeitável e experiente que estava na praia entre o povo, olhou para nós (para os marinheiros) e, abanando a cabeça com ar sereno, bom senso e com voz zangada disse tão alto que nós, no mar, ouvimos perfeitamente:
95
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular,que honra se chama!
C'uma aura popular,que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
Explicação
“Ó glória de mandar! Ó banal cobiça, ambição de Fama! Prazer Ilusório que se embeleza com as honras da popularidade! Como tu és cruel carrasco de quem te obedece! A que mortes, perigos, cruéis catástrofes nos sujeitas!
96
- "Dura inquietação d'alma e da vida,
- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
Explicação
Fonte de desgostos e vergonhas, de abandonos e adultérios, destruidora de riquezas e nações, dão-te o nome de ilustre e és digna de protestos fulminantes! Fama e Glória! Que ilusão de gente ignorante!
97
- "A que novos desastres determinas
- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Explicação
A que novas catástrofes queres levar este reino e este povo? Que desgraças lhes preparas com um nome bonito? Que reinos e minas de ouro lhes prometes? Ou que famas, elogios e triunfos?
98
- "Mas ó tu, geração daquele insano,
- "Mas ó tu, geração daquele insano,
Cujo pecado e desobediência,
Não somente do reino soberano
Te pôs neste desterro e triste ausência,
Não somente do reino soberano
Te pôs neste desterro e triste ausência,
Mas inda doutro estado mais que humano
Da quieta e da simples inocência,
Idade d'ouro, tanto te privou,
Que na de ferro e d'armas te deitou,
Que na de ferro e d'armas te deitou,
Explicação
Mas, ó tu, descendente daquele homem imprudente (Adão, o primeiro homem, segundo a Bíblia) cujo pecado e desobediência a Deus fez com que ele perdesse o paraíso e tu porque herdaste esse castigo ficaste privado da Idade do Ouro e foste atirado para a Idade do Ferro e das batalhas.
99
- "Já que nesta gostosa vaidade
- "Já que nesta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve fantasia,
Já que à bruta crueza e feridade
Já que à bruta crueza e feridade
Puseste nome esforço e valentia,
Já que prezas em tanta quantidade
Já que prezas em tanta quantidade
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que já
De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdê-la quem a dá:
Explicação
Já que a tua fantasia te dá tanto prazer com esta vaidade deliciosa e soubeste chamar à ferocidade valentia e coragem, já que desprezas tanto a vida que devia ser sempre estimada, pois que até o próprio Jesus Cristo que foi quem a deu, temeu perdê-la:
100
- "Não tens junto contigo o Ismaelita,
- "Não tens junto contigo o Ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
Se tu pela de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
Se queres por vitórias ser louvado
Se queres por vitórias ser louvado
Explicação
Não tens perto o mouro com quem poderás guerrear até demais? Não é ele muçulmano, como tu és cristão? Não tem mil cidades, e infinita riqueza, se é terras e ouro que desejas? E, se queres glória, não tem ele valor?
101
- "Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o Reino antigo,
- "Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o Reino antigo,
Se enfraqueça e se vá deitando a longe?
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a fama te exalte e te lisonge,
Por que a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?
Explicação
Deixas crescer o inimigo ao pé de ti e vais procurá-lo tão longe, enfraquecendo e despovoando o reino? Procuras perigos duvidosos só para seres célebre, teres a vaidade de te chamares pomposamente senhor da Índia, da Pérsia, da Arábia e da Etiópia?
102
"Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas velas pôs em seco lenho,
Dino da eterna pena do profundo,
Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!
Nunca juízo algum alto e profundo,
Nem cítara sonora, ou vivo engenho,
Te dê por isso fama nem memória,
Mas contigo se acabe o nome e glória.
"Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas velas pôs em seco lenho,
Dino da eterna pena do profundo,
Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!
Nunca juízo algum alto e profundo,
Nem cítara sonora, ou vivo engenho,
Te dê por isso fama nem memória,
Mas contigo se acabe o nome e glória.
Explicação
Ah! Maldito seja o primeiro navegador que pôs as velas num seco madeiro para navegar sobre as ondas! Merece a condenação eterna, se a minha Fé é a verdadeira! Oxalá que nunca venha historiador ou poeta que pela tua aventura te torne célebre, por causa disso, e antes o teu nome e a tua glória morram contigo.
103
"Trouxe o filho de Jápeto do Céu
O fogo que ajuntou ao peito humano,
Fogo que o mundo em armas acendeu
Em mortes, em desonras (grande engano).
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
E quanto para o mundo menos dano,
Que a tua estátua ilustre não tivera
Fogo de altos desejos, que a movera!
"Trouxe o filho de Jápeto do Céu
O fogo que ajuntou ao peito humano,
Fogo que o mundo em armas acendeu
Em mortes, em desonras (grande engano).
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
E quanto para o mundo menos dano,
Que a tua estátua ilustre não tivera
Fogo de altos desejos, que a movera!
Explicação
O filho de Jápeto (Prometeu) roubou o fogo do Céu, pondo-o no coração dos homens ateando guerras e desonras (como os homens se enganam tristemente). Que loucura! Ó Prometeu, seria muito melhor para todos e o mundo seria muito menos prejudicado se a tua gloriosa estátua não tivesse o fogo da ambição que a atormentaram!
104
"Não cometera o moço miserando
O carro alto do pai, nem o ar vazio
O grande Arquiteto co'o filho, dando
Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando,
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição!"
"Não cometera o moço miserando
O carro alto do pai, nem o ar vazio
O grande Arquiteto co'o filho, dando
Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando,
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição!"
Explicação
O desgraçado jovem (Faetonte) não se atreveria a guiar o alto carro do seu pai (do Sol), nem o grande arquiteto (Dedalo) se atreveria a lançar-se ao espaço vazio com o filho (Ícaro), que foram vítimas da sua imprudência, Ícaro caindo no Mar Egeu e Faetonte no rio Pó. Mas, ó sorte desgraçada! A tudo se aventura a humanidade contra fogo, ferro, água, calor e gelo!”.
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Parabéns pelo blog, pela vontade e iniciativa de partilhar o gosto e conhecimento por Camões (particularmente por "Os Lusíadas" - que é o objecto deste post que agora comento).
ResponderEliminarTenho uma sugestão crítica a fazer relativamente à interpretação geral do episódio e à figura do "Velho do Restelo". A ideia que durante muito tempo (ao longo do século XX) prevaleceu do Velho do Restelo, é a de um símbolo do pessimismo e conservadorismo anti-patriótico e anti-descobrimentos, que - como refere no seu resumo do episódio - não acreditava e não queria o sucesso dos portugueses. Ora, essa ideia foi já contrariada por leituras e análises mais finas, não só do próprio Canto IV, mas também da origem dessa mesma ideia e da sua difusão generalizada através dos manuais escolares. Sempre achei que havia qualquer coisa estranha entre considerar a personagem do Velho do Restelo "negativa" e a caracterização elogiosa que o próprio Camões faz dela. Vale relembrar que, para os "antigos" (de uma forma geral) a velhice, a vetustez de uma ideia ou de uma teoria, eram um sinal - quase automático - de autoridade intelectual, espiritual e de sapiência. Os gregos da antiguidade helénica, quando queriam suportar as suas ideias (nomeadamente na filosofia), diziam que as tinham herdado dos egípcios e que elas eram muito antigas. A ideia de associar a antiguidade e velhice a algo que "já" não presta ou que deve ser descartado, é uma ideia moderna, do século XIX e século XX - primeiro sob influência das "novas ideias" da Revolução Francesa, criticando a velha ordem aristocrática; depois sob influência do capitalismo triunfante do século XX, onde o novo deve ser sempre adoptado e comprado, sem esquecer a influência que a investigação científica recorrente passou a ter sobre o mundo (já que novas investigações, baseadas em novos dados e novas descobertas, suplantam as antigas teorias e o antigo saber).
Isto tudo para dizer que, provavelmente, Camões também considerava a experiência do Velho do Restelo como uma qualidade através da qual valia a pena veicular ideias ou críticas fundamentadas.
Já Jorge de Sena contrariava a ideia de um Velho do Restelo pessimista e reacionário, e o próprio Camões descreve essa personagem como uma voz sábia e experiente ("C'um saber só de experiências feito") que criticava valores que - julgo que de forma comummente aceite - não são nobres, elevados nem positivos:
"- Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!"
[...]
"Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!"
O filme de Manoel de Oliveira, "Non, ou a Vã Glória de Mandar" (1990) também sublinha as críticas que o Velho do Restelo fez.
Mas aos olhos de um regime ditatorial e colonialista como foi o do Estado Novo em Portugal, essas críticas não eram bem-vistas e interessava voltar o bico ao prego, tranformando assim o Velho do Restelo num símbolo do pessimismo anti-patriótico. O que devia ser enaltecido no grande Camões, era a veia colonialista do povo lusitano, como um povo ungido e predestinado a descobrir novos mundos, levando a verdade cristã aos selvagens infiéis.
Muito provavelmente, as leituras e a profundidade das mensagens do Velho do Restelo (e dos Lusíadas) não podem ou não devem ser reduzidas a posições maniqueístas, mas penso ser importante, pelo menos, ter consciência de que a leitura oficial veiculada pelos manuais escolares sofreu durante muito tempo da influência ideológica do Estado Novo.
Seja como for, toda esta diversidade interpretativa (incluindo aproveitamentos ideológicos menos legítimos - por poderem afastar-se da mensagem original - reflectem, não só a importância de "Os Lusíadas", como a sua riqueza.