Miguel Torga
O seu nome próprio era: Adolfo Correia da Rocha
Miguel Torga era o seu pseudónimo
Foi um dos mais importantes escritores portugueses do séc. XX
Era natural de São Martinho de Anta
Formou-se em medicina e exerceu a sua profissão, como médico, em Coimbra durante muitos anos
Poema
Livro de Horas
Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
De virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal Céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!
Miguel Torga, in 'O Outro Livro de Job'
Sugestões de análise ideológica e formal
Tema
O reconhecimento, por parte do poeta, da divisão interior do seu “eu”
Síntese
O poeta confessa-se e reconhece ser um “eu” interiormente dividido: nele existe, simultaneamente, o bem e o mal
Sentimentos do sujeito poético
O poeta faz uma confissão da existência, em simultâneo, do bem e do mal em si
Para nos transmitir essa dualidade, o sujeito poético utiliza várias oposições
Exemplos
o bom / o mau
possesso de virtudes teologais / das ternuras lúcidas e mansas
charco / luar de charco
corda do arco que atira setas acima / e abaixo da minha altura
Abel / Caim
anjo caído do Céu / monstro saído do buraco mais fundo da caverna
Nota: a expressão “saído do buraco mais fundo da caverna”, simboliza a sua terra natal: uma pequena aldeia
Outros pormenores onde está expresso o tom confessional dos sentimentos do eu lírico
Pronomes pessoais
eu
me
Pronomes possessivos
minhas
minha
Referência a lugares
Aqui
Diante
desta
Personalidade do eu lírico
Demonstra uma personalidade forte porque se assume como um “eu” que embora dividido se confessou e onde demonstra que apesar da sua vida ter altos e baixos (“nesta deriva em que vou”) tem esperança, porque ele é dono da sua vontade, (“o dono das minhas horas”), ou seja, não se deixa influenciar pela opinião dos outros
Divisão do conteúdo do poema em partes lógicas
O poema divide-se em 4 partes lógicas
Primeira parte
A 1ª estrofe que é uma síntese de todo o poema: o eu lírico apresenta-se como pecador disposto à confissão para se mostrar tal e qual é: um misto de bondade e de maldade
Segunda parte
A 2ª, 3ª e 4ª estrofes: o sujeito poético entra em pormenores, confessando em que consistem as contradições da sua dupla personalidade: virtude e pecado; raiva e ternura; luz e sombra
Terceira parte
A 5ª e 6ª estrofes: o poeta exprime a já referida contradição existente em si (o bem e o mal) e, desta vez, recorrendo a figuras bíblicas: Abel-Caim e anjo-monstro
Quarta parte
A última estrofe em que o poeta regressa à síntese inicial do “eu” pois tem grande semelhança com o que diz nessa 1ª parte.
Recursos de estilo que encontramos neste poema
Predominio do presente do indicativo
É muito importante porque revela que o poeta fala dos seus sentimentos, no momento em que está a escrever.
O uso do adjetivo expressivo
bom
mau
teologais
mortais
cegas
A antítese
caído/saído
facadas/ ternuras
Abel/Caim
Anjo/monstro
A repetição
me confesso (três vezes)
me confesso de ser (quatro vezes)
Frases paralelas
“das virtudes teologais que são três”
“dos pecados mortais que são sete”
Constituição do poema quanto à forma
7 estrofes com número variável de versos
Exemplos
A 1ª estrofe tem seis versos
a 2ª, 8 versos
a 3ª, 7 versos
a 4ª , 5ª, 6ª tem 5 versos
a 7ª, 4 versos
A rima
A métrica é muito variável
Exemplos, na primeira estrofe
Versos livres
Há versos que não rimam
mim/confesso)
Rima interpolada
sou/vou
Rima emparelhada
mau/nau
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