Canto III estrofes 30-40
30
"Mas o Príncipe Afonso, que desta arte
Se chamava, do avô tomando o nome,
Vendo-se em suas terras não ter parte,
Que a mãe, com seu marido, as manda e come,
Fervendo-lhe no peito o duro Marte,
Imagina consigo como as tome.
Revolvidas as causas no conceito,
Ao propósito firme segue o efeito.
31
"De Guimarães o campo se tingia
Co'o sangue próprio da intestina guerra,
Onde a mãe, que tão pouco o parecia,
A seu filho negava o amor e a terra.
Com ele posta em campo já se via;
E não vê a soberba o muito que erra
Contra Deus, contra o maternal amor;
Mas nela o sensual era maior.
32
"Ó Progne crua! ó mágica Medeia!
Se em vossos próprios filhos vos vingais
Da maldade dos pais, da culpa alheia,
Olhai que inda Teresa peca mais:
Incontinência má, cobiça feia,
São as causas deste erro principais:
Cila, por uma, mata o velho pai,
Esta, por ambas, contra o filho vai.
33
"Mas já o Príncipe claro o vencimento
Do padrasto e da iníqua mãe levava;
Já lhe obedece a terra num momento,
Que primeiro contra ele pelejava.
Porém, vencido de ira o entendimento,
A mãe em ferros ásperos atava;
Mas de Deus foi vingada em tempo breve:
Tanta veneração aos pais se deve!
34
"Eis se ajunta o soberbo Castelhano,
Para vingar a injúria de Teresa,
Contra o tão raro em gente Lusitano,
A quem nenhum trabalho agrava ou pesa.
Em batalha cruel o peito humano,
Ajudado da angélica defesa,
Não só contra tal fúria se sustenta,
Mas o inimigo aspérrimo afugenta.
35
"Não passa muito tempo, quando o forte
Príncipe em Guimarães está cercado
De infinito poder; que desta sorte
Foi refazer-se o inimigo magoado;
Mas, com se oferecer à dura morte
O fiel Egas amo, foi livrado;
Que de outra arte pudera ser perdido,
Segundo estava mal apercebido.
36
"Mas o leal vassalo, conhecendo
Que seu senhor não tinha resistência,
Se vai ao Castelhano, prometendo
Que ele faria dar-lhe obediência.
Levanta o inimigo o cerco horrendo,
Fiado na promessa e consciência
De Egas Moniz; mas não consente o peito
Do moço ilustre a outrem ser sujeito.
37
"Chegado tinha o prazo prometido,
Em que o Rei Castelhano já aguardava
Que o Príncipe, a seu mando sometido,
Lhe desse a obediência que esperava.
Vendo Egas que ficava fementido,
O que dele Castela não cuidava,
Determina de dar a doce vida
A troco da palavra mal cumprida.
38
"E com seus filhos e mulher se parte
A alevantar com eles a fiança,
Descalços e despidos, de tal arte,
Que mais move a piedade que a vingança.
- "Se pretendes, Rei alto, de vingar-te
De minha temerária confiança,
Dizia, eis aqui venho oferecido
A te pagar, co'a vida, o prometido.
39
"Vês aqui trago as vidas inocentes
Dos filhos sem pecado e da consorte;
Se a peitos generosos e excelentes,
Dos fracos satisfaz a fera morte.
Vês aqui as mãos e a língua delinquentes:
Nelas sós exprimenta toda a sorte
De tormentos, de mortes, pelo estilo
De Cínis e do touro de Perilo"! -
40
"Qual diante do algoz o condenado,
Que já na vida a morte tem bebido,
Põe no cepo a garganta, e já entregado
Espera pelo golpe tão temido:
Tal diante do Príncipe indinado,
Egas estava a tudo oferecido.
Mas o Rei, vendo a estranha lealdade,
Mais pôde, enfim, que a ira a piedade.
Quem foi Egas Moniz e qual o seu caráter?
Egas Moniz ficou conhecido por "o Aio" pelo facto de Henrique de Borgonha, conde de Portucale , lhe ter confiado a educação de seu filho, D. Afonso Henriques
Síntese / reconto
Os castelhanos vieram socorrer D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques e os portugueses, apesar de poucos, mas protegidos por Deus, venceram em Arcos de Valdevez.
Pouco depois os castelhanos cercaram D. Afonso Henriques em Guimarães. Este estava pouco armado e teria ficado derrotado se Egas Moniz não tivesse vindo em seu auxílio, oferecendo a sua própria vida ao Rei de Castela e prometendo-lhe a vassalagem de D. Afonso Henriques, para que ele levantasse o cerco.
Assim foi feito, mas D. Afonso Henriques, depois não quis prestar vassalagem ao Rei castelhano e Egas Moniz viu-se obrigado a oferecer a sua própria vida, em troca da sua palavra.
Dirigiu-se para Castela com a mulher e os filhos, descalços e semi-nus, tão humildes que mais inspiravam dó, do que vingança do Rei de castelhano.
Egas Moniz ofereceu a sua vida e dos seus ao rei, para que os sacrificasse como entendesse.
Egas Moniz colocou-se no cepo à espera do golpe, mas o Rei compadeceu-se ao ver o seu caráter tão leal e fiel ao Rei português e à sua palavra dada que não o sacrificou.
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