Poema
Aquele claro sol, que me mostrava
o caminho do céu mais chão, mais certo,
e com seu novo raio, ao longe, e ao perto,
toda a sombra mortal m'afugentava,
deixou a prisão triste, em que cá estava.
Eu fiquei cego, e só, c'o passo incerto,
perdido peregrino no deserto
a que faltou a guia que o levava.
Assi c'o esprito triste, o juízo escuro,
suas santas pisadas vou buscando
por vales, e por campos, e por montes.
Em toda parte a vejo, e a figuro.
Ela me toma a mão e vai guiando,
e meus olhos a seguem, feitos fontes.
António Ferreira
Sugestões de análise
António Ferreira perdeu a sua mulher, Maria Pimentel, e em alguns poemas, como o que temos presente, neste poema, revela-nos seu mundo de agonia por essa perda.
O sujeito poético faz realçar a intensidade do seu sofrimento através da insegurança com que caminha no deserto da vida, perdido o Sol que o guiava; do anseio com que procura a mulher amada e da ilusão que o alimenta imaginando vê-la em toda a parte e não encontrando mais do que a lembrança, cuja dor o poeta sugestivamente traduz no último verso, a que não falta sequer a harmonia imitativa das suas últimas palavras, a transmitir o borbulhar da água que, brotando dos seus olhos, forma uma fonte.
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