Miguel Torga
Adolfo Correia da Rocha, conhecido pelo pseudónimo, Miguel Torga, é um dos mais prestigiados escritores portugueses do século XX.
Destacou-se como poeta, contista e moralista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios.
Recebeu o “prémio Camões” de 1989, o mais importante da língua portuguesa.
Profissionalmente era médico
Poema
Viagem
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar…
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura…
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Sugestões de análise
O sujeito poético apresenta-se como um “marinheiro”.
No poema existe uma metáfora em que o sujeito poético compara “Esta vida / Que temos” a um “traiçoeiro mar”, portanto o poeta apresenta-se como um marinheiro porque, tal como o marinheiro tem que ultrapassar muitos obstáculos no mar, também o sujeito poético tem como objetivo pôr em relevo que há dificuldades na vida que é necessário vencer para realizar os “sonhos” e atingir o “paraíso (...) / que perdemos”.
Para alcançar o “paraíso” perdido (a felicidade), o eu lírico necessita ter: “ilusão”; “fé; “sonho”, ou seja, ideais e lutar por eles.
As formas verbais: “aparelhei”; “forcei”; “larguei” traduzem a determinação do poeta em perseguir esse “sonho.”
Para realizar o seu sonho o sujeito poético terá que ultrapassar obstáculos como: a inatividade (“paz tolhida”); as traições da vida (“ traiçoeiro mar”); o desânimo (“corto as ondas sem desânimo).
Para transmitir a sua mensagem o eu lírico utilizou alguns artifícios dos quais podemos destacar:
• palavras relacionadas com o campo lexical de “marinheiro” “barco...mar...vela... cais... embarcação... ondas”.
• palavras com valor conotativo como, por exemplo, “cais” e a expressão “paz tolhida” que são, talvez, as que têm uma carga emotiva mais forte. Com elas o sujeito poético pretenderá transmitir a mensagem de: aceitação; acomodação; passividade - tudo aquilo de negativo que impede a realização dos sonhos e contra o qual o poeta luta e se opõe pela utilização da adversativa, “Mas” (“Mas corto as ondas sem desanimar (...) /O que importa é partir, não é chegar.”
Do verso 5 ao 11 o sujeito poético utiliza a primeira pessoa do plural. Este narrador, embora auto diegético (que é personagem da história) pretende transmitir a ideia de universalidade, por isso, envia uma mensagem ao narratário (entidade a quem o narrador se dirige) incluindo-o no seu discurso. Pretende incentivá-lo a fazer o mesmo que ele: lutar pelos seus “sonhos”. Utiliza, assim, a primeira pessoa do plural, num estilo coloquial, espécie de diálogo, com o leitor para dar mais vivacidade e verossimilhança à sua mensagem e responsabiliza, também, o narratário : por encontrar ou não o “paraíso (...) que perdemos”, pois isso depende da nossa luta, ou seja, força de vontade e dinamismo.
O último verso pode considerar-se a chave do poema, a súmula da mensagem, pois centraliza a ideia principal: lutar pelos nossos sonhos é o primeiro passo para o sucesso, “partir”. Se atingimos, ou não, os objetivos, “chegar” deve ficar para segundo plano.
Sob o ponto de vista da estrutura formal este poema é formado por:
•2 estrofes
• a primeira de 11 vs e a segunda de 9
• os versos ora são longos ora são curtos, o que transmite um ritmo que tem a ver com o significado do poema: o ondear dos barcos no mar, ou seja, os momentos bons e maus da vida
• a rima emparelhada e interpolada
• há também um verso branco, isto é, aquele que não rima.
marfer/cilamatos
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