Nota: Se quiser saber mais sobre Almeida Garrett convido-o a ir para o post anterior.
Lá, também, poderá gostar de ler um outro poema do mesmo autor e as respetivas sugestões de análise.
Poema Anjo és
Anjo És
Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.
Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua fronte anuviada
Não vejo a c'roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d'amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não têm. - Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?
Não respondes - e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... - Lágrima? - Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De donde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?
Almeida Garrett, in "Folhas Caídas"
Sugestões de análise
O poema encontra-se dividido em três partes e a personagem focada é a mulher, mas em cada uma das três partes, o sujeito poético, traça um perfil diferente, desse ser humano.
Na primeira estrofe temos a imagem da mulher-anjo, dominadora, à qual o sujeito poético se subjuga: "Anjo és tu (...) anjo és, que me domina (...) minha alma forte, ardente,/ Que nenhum jugo respeita, /Covardemente sujeita / Anda humilde a teu poder".
Na segunda estrofe encontramos a mulher que se mostra tal como é, real , que deixa transparecer o seu estado de espírito e provoca no sujeito poético sentimentos contraditórios, como paz ou guerra: "Que anjo és tu? / Em nome de quem vieste? / Paz ou guerra me trouxeste / De Jeová ou Belzebu?".
Para terminar o sujeito lírico, apresenta-nos o que, para ele, é a mulher-mulher-, o "anjo maldito" que é a razão do amor-paixão que o faz sofrer, que "Queima" , "abrasa" e o "devora". É a mulher fatal, a quem ele se entregou loucamente apaixonado, "em teus braços / Com frenéticos abraços / Me tens apertado, estreito" (...) Dou-me, / Dou-me a ti" e de cujo fatalismo ele não se pode libertar porque ela é um, "fatal, estranho ser" .
Como verificamos o sujeito poético revela sentimentos que se alteram no decorrer da visão que tem da mulher.
Como reações sentimentais saliento, a título de exemplo:
- Admiração pelo poder da mulher (1ª estrofe, versos 1-5)
- Submissão-domínio e obediência ao capricho (versos 6-12)
- Dúvida-(versos 24-27)
- Paixão-(versos 28-30)
- Paixão-(versos 31-33)
- Dor, sofrimento-(versos 35-36)
- destruição/perdição (versos 35-36)
- Aceitação do destino/fatalismo - verso 40)
Poderemos concluir que, para o sujeito poético, a mulher é salvação e destruição, porque é dela que vem a "onda demoníaca" e "fatal" que o arrasta para a destruição.
De notar que, neste poema, a pontuação é muito importante para nos ajudar a compreender as reações do sujeito lírico.
Assim, na primeira estrofe, as frases declarativas revelam objetividade, humildade e sujeição.
Na segunda estrofe, as interrogações retóricas servem para exprimir dúvida e interrogar a mulher causadora de reações contraditórias.
Na terceira estrofe, as reticências exprimirem as emoções e os sentimentos; as exclamações transmitem a emotividade das paixões; as interrogações tornam a dúvida mais clarificada.
marfer/cilamatos
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