António Ferreira poeta português do séc. XVI
Poema
Aqueles olhos, qu'eu deixei chorando,
Cujas fermosas lágrimas bebia
Amor, com as suas tendo companhia,
Ante os meus se me vão representando.
Os saudosos suspiros, qu'arrancando
Duas almas, em qu'üa troca Amor fazia,
Qu' a que ficava, era a que partia,
E a que ia, a ficava acompanhando.
Aquelas brandas, mal pronunciadas
Palavras da saudosa despedida
Entre lágrimas rafas, e quebradas,
E aquelas alegrias esperadas
Da boa tornada, já antes da partida,
Vivas as trago, não representadas.
Sugestões de análise
Tema
Duas almas torturadas pela despedida.
Desenvolvimento
O sujeito poético evoca a hora da despedida: a separação da sua amada e transmite os efeitos que é saudade provocou em ambos: choraram os dois: “deixei chorando (...) fermosas lágrimas (...) com as suas tendo companhia”.
A identificação dos dois amantes, um com o outro, é tão forte que há uma transposição de um no outro (tal como em Camões:” transformou-se o amador na coisa amada”): “Duas almas, (...) /
a que ficava, era a que partia (...) e a que ia, ficava acompanhando”.
As lágrimas de um e de outro misturavam - se; cruzavam - se com igual cadência e intensidade; os suspiros que ambos arrancavam do peito; da boca dos dois, por entre lágrimas, as palavras soluçadas, como que enganavam a amargura da separação, com a pressuposta alegria do regresso. Todos estes contornos psicológicos, diz o poeta, não os tem só representados na alma. vive-os.
Nessa despedida dolorosa pouco tempo ficou para as palavras: “mal pronunciadas”, visto que a emoção tomava conta dos dois apaixonados e se exteriorizava através de “lágrimas rotas e quebradas”.
Apesar da grande tristeza e sofrimento, algo dava um pouco de brilho àquela separação - a esperança num reencontro: “aquelas alegrias esperadas vivas as trago”.
Comentários
Enviar um comentário